Singularidade e Relevância

Singularidade

e relevância

Nada melhor pra esquentar uma discussão sobre esse assunto do que começar com duas frases de dois grandes empreendedores da nossa história, de duas épocas distintas, de dois universos diferentes, duas indústrias tão particulares.

 

A primeira, em ordem cronológica, em tempos de inovações lentas e de indústrias pesadas, Henry Ford dizia que

“Se perguntássemos para os consumidores o que eles queriam, eles diriam um cavalo mais rápido.”

A segunda, mais recente, numa indústria acelerada, baseada em desenvolvimento de inteligência, interface, processamento e design, Steve Jobs, inspirado na primeira, disse que

Não se pode simplesmente perguntar aos consumidores o que eles querem e daí tentar dar isso a eles. As pessoas não sabem o que querem, até mostrarmos a elas.

Ford foi ainda mais longe ao dizer que aqueles que quisessem possuir um de seus carros Modelo T. poderiam escolher qualquer cor, desde que fosse preta.

Com a justificativa de economia e eficiência da linha de produção, para diminuir os custos e, consequentemente, um preço mais acessível a todos, Ford impôs a ditadura do criador, do dono, ao gosto, à opinião e ao desejo do consumidor. 

De outro lado, a GM, tempos depois, inundou o mercado com uma diversidade de modelos, cada um com um monte de cores, para o deleite de uma infinidade de consumidores ávidos por expressar suas personalidades.

Não dá para dizer que Ford e Jobs são casos de insucesso no mundo dos negócios. Gênios brilhantes e intuitivos, criaram marcas extremamente fortes, com produtos que conquistaram os corações de milhões de pessoas.
Mas apostar tudo na genialidade dos fundadores, criadores ou colaboradores pode ser perigoso numa sociedade tão diversa.

Foi pra fugir do risco dos “achismos” que o marketing criou o consumer insight. A boa e conhecida pesquisa de mercado.

Junta-se uma dúzia de pessoas numa sala de espelho, com uma mesa cheia de salgadinhos e docinhos, uma pessoa pra mediar a conversa e pronto, temos um focus group – a pesquisa “quali”. Ou, com objetivos diferentes e para se ter uma amostra mais robusta, junta-se uma dúzia e meia de perguntas e aplica-se um questionário numa pesquisa “quanti”.

 

Essas pesquisas colhem do consumidor carências que eles identificam em um determinado segmento, uma expectativa frustrada em um produto ou um espaço não preenchido pela concorrência.

O grande problema é que todas as marcas fazem as mesmas perguntas para as mesmas pessoas que respondem da mesma forma.

Mas isso não importa. Marketing e R&D – Research and Development – saem loucos preparando slides de PowerPoint e testes de produtos para levar para comitês de avaliação com o CMO, CFO e CEO.

 

Uma vez criados, novos produtos ou serviços são entregues nas mãos criativas das agências de publicidade, que também participaram das pesquisas e captaram por de trás dos espelhos a melhor forma de convencer o consumidor em geral de que aquele produto ou serviço é a nova solução para todos os seus problemas.

 

Campanhas belíssimas e impactantes tentam, com textos engraçados ou emocionantes, empacotar os benefícios do novo produto. Planos de mídia escolhem veículos e frequência para garantir que a mensagem chegue ao maior número possível de consumidores, o mais parecido possível com aqueles que responderam aos questionários das pesquisas “quanti”. Tudo muito bem ensinadinho pelo tio Phillip Kotler na sua cartilha “Administração de Marketing”, editada nos idos de 1967.

Tudo certo quando o foco eram os previsíveis baby boomers ou os consumidores da Geração X. Nada fácil quando o cenário atual é povoado por uma multidão informada, crítica e exigente.

Vimos a Geração Y, os tais Millennials, chegarem ao poder do consumo e estamos assistindo a ascensão da Geracão Z.

Para essa geração, a palavra de ordem é individualidade. As pessoas nascidas a partir de 1995 contestam de maneira enérgica todo e qualquer tipo de rótulo ou estereótipo, não aceitam definições de gênero, idade ou classe. Valorizam o “eu”, mas aceitam que sua identidade seja líquida e fluida. 

 

Essa turma se informa de maneira fragmentada, na maioria das vezes digitalmente, nas várias telas de seus gadgets. Já faz tempo que a lógica da audiência, do GRP, das inserções no horário nobre da Globo já não se aplica com esse público. Segundo a revista Business Week, nos anos 1960 uma marca de produtos femininos podia fazer a sua mensagem chegar a 80% do seu público com um comercial veiculado nas três maiores redes de televisão americanas. Em 2004, para atingir a mesma audiência, o esforço de mídia teria que ser dividido em mais de 100 canais fechados de TV a cabo.
Hoje, para chamar a atenção da mesma quantidade de mulheres, somente com a combinação de uma mensagem relevante e verdadeira com um plano de mídia que inclua bons influenciadores digitais que possam endossar as intenções dessa marca.

 

Estamos falando de uma geracão que sabe do seu poder de consumo. Melhor, sabe do seu poder de influência. Muito mais poderoso pro bem. Muito mais devastador para o mal. Escolhem os podutos que vão fazer parte da sua rotina a partir de alinhamento de valores – os seus como indivíduos e os das marcas como corporações. Para ser relevante para os representantes da Gen-Z, não basta criar um título bacana ou um tagline criativo. Não funcionam mais o “Fotografou? Então dançou!” ou “Eu sou você amanhã”, “Usou Avanço, elas avançam”. A era dos bordões parece ter hora-morte. O “OMO limpa mais branco” deu lugar ao “Faz bem se sujar”. “O melhor plano de saúde é viver” da Unimed, o “Bem estar bem” da Natura, e uma lista enorme de statements inspiradores tentam sintetizar algo que é singular, suas formas de pensar e agir. Seus propósitos de marca.

 

Sai de cena a mensagem unilateral da propaganda convencional e entra o diálogo, a troca e o compartilhamento. Ganha força o branded content. Nada novo, já que é possível reconhecer sua origem lá nos livros de dicas do Açúcar União nas décadas de 1970 e 1980. Desde lá até hoje, a mesma receita – produção de conteúdo relevante para o cliente por marcas com valores fortes.

Não se pode simplesmente perguntar aos consumidores o que eles querem e daí tentar dar isso a eles. As pessoas não sabem o que querem, até mostrarmos a elas.

Consumidor, influenciador e gerador de conteúdo ao mesmo tempo. Mas é dessa “conversa”, impulsionada pela multiplicidade de canais, que se descobre sintonia e convergência entre os valores e as visões de mundo.

E essa é a única forma de conseguir a coisa mais valiosa para as marcas. Talvez mais poderosa que o consumo é o engajamento. E ele só acontece quando a marca e o que ela pensa, diz e faz, se torna relevante.

Aqui chegamos ao maior dos dilemas das marcas nesse mundo novo.

De um lado a sua singularidade e os seus valores. A razão de ser tão ligada à sua essência. Do outro lado uma nova ordem social com consumidores que querem ser tratados como indivíduos e não “targets” e “clusters”.

Como repensar aquelas pesquisas de consumidor das quais falei lá no começo?

Como entender a maneira com que esse novo público escolhe as marcas para expressar sua identidade? Como se adaptar para entregar experiências tão distintas para consumidores que querem exclusividade? Enfim, como reconceituar o “consumer insight”?

 

Como ir até as pessoas ao invés de esperar que venham atraídas por discursos e mensagens vazias?

 

Como atender seus anseios tão particulares sem corromper os traços mais singulares da marca?

 

Como equilibrar suas singularidades com a individualidade cada vez mais plural do consumidor?

 

Como? Como?