O risco das inverdades

O risco das inverdades

Grandes ondas marcam as estratégias de negócios de maneira estruturante. Algumas das mais significativas são uma reação das grandes indústrias a grandes mudanças políticas, culturais e socioambientais que afetam o mundo já totalmente globalizado.

O primeiro e mais conhecido talvez seja o da Coca-Cola que, durante a Segunda Guerra Mundial, montou um sistema colossal de distribuição, além de fábricas por todo o mundo, para cumprir seu propósito de vender por apenas ‘5 cents’ uma garrafa gelada de refrigerante em cada lugar onde existisse um soldado americano.

 

Da guerra, passando pela fome na África, a matança das baleias no ártico, a sede no mundo, o uso de mão de obra infantil e o aquecimento global, vários têm sido os motivos pelas quais corporações e suas marcas se engajam com o desejo genuíno de fazer a diferença a partir do seu poder transformador.

Em um planeta como o que vivemos hoje, mais populoso e mais desigual, com problemas climáticos, políticos e sociais, cujas soluções são cada vez mais urgentes, é desejável e talvez essencial que essas marcas se comprometam a colocar energia em mudar o curso das coisas e fazer desse um mundo melhor.

Somos cidadãos mais conscientes do nosso poder de consumo e de nossa capacidade de influenciar suas escolhas. Temos mais informação, nos conectamos, convencemos ou dissuadimos outros indivíduos na velocidade de um clique.

Pesquisas apresentadas na Harvard Business Review reforçam essa visão e quebram três mitos do marketing. Primeiro, a maioria das pessoas não quer se relacionar com as marcas e não se declara leal a nenhuma delas. Segundo, que o envolvimento e o engajamento do cliente criam relacionamento. E o terceiro mito é que quanto mais interações as marcas tiverem com seus clientes, maior a lealdade.

Dos fatores que esses pesquisadores analisaram, havia apenas um que poderia estar associado à lealdade à marca —  valores compartilhados.

Segundo uma outra pesquisa, agora da Accenture — empresa multinacional com sede na Irlanda—, quase dois terços dos consumidores globais já preferem comprar produtos e serviços de empresas que representam um objetivo que reflete seus próprios valores e crenças e evitarão empresas que não o fazem.

 

Isso significa que dois terços das pessoas querem que as empresas das quais consomem se posicionem nas questões sociais, culturais, ambientais e políticas de que mais se preocupam.

Cada vez mais, empresas serão cobradas, seja por políticas públicas ou por pressão da sociedade, a usar sua influência para colaborar com as questões ambientais, pressionando ou capacitando fornecedores, clientes e funcionários para promover mudanças, responsabilizando-se por seus investimentos e modelos de negócios e investindo em pesquisa e desenvolvimento para promover novas soluções verdadeiramente sustentáveis. 

Sejam bem-vindos ao maravilhoso mundo dos Propósitos de Marcas.

Os propósitos são o lado iluminado da força. São do bem. E eles aumentam a relevância, o conhecimento assim como as vendas de uma marca.
O sonho dourado de gestores, marqueteiros e brandeiros seduzidos pela possibilidade de colocar fermento e fertilizante nos números e gráficos dos slides de Power Point das reuniões com os CEOs.

 

O risco é o de mercantilizarem movimentos contemporâneos, adotando a “causa mais recente” para superar a concorrência sem verificar os valores e a cultura de sua própria empresa. Esses maus profissionais migram para o que é mais popular até que o arruínam.  

Os números gerados por essas marcas que escolheram a superficialidade das promessas vazias já podem ser sentidos, deixando claro que confiança é algo caro e demorado para construir.

 

Os consumidores, sim, esperam que as marcas sejam socialmente responsáveis, porém a confiança nas marcas que assumem essas posições lideradas por propósitos caiu, de acordo com o Barômetro de Confiança 2019 da Edelman. Enquanto 81% dos consumidores disseram considerar a confiança da marca em suas decisões de compra, apenas 34% realmente confiam nas marcas das quais compram, e 53% dos consumidores acham que as marcas não estão tão comprometidas com a sociedade quanto afirmam.

Mark Schaefer, autor do livro “Marketing Rebellion” listou algumas premissas importantes quando as marcas e seus gestores não querem cair na armadilha da inverdade ou dos discursos incoerentes.

Sejam honestos

Esqueça “o que” você faz por alguns minutos. Faça um mergulho na essência de sua marca e descubra “o porquê você faz”. Qual a mais genuína razão de existir de sua empresa.

Ter um propósito pode se tornar um diferencial importante se a intenção for correta e se ele estiver alinhado com a missão, a singularidade e até mesmo com a personalidade da marca.

Estejam alinhados com seus clientes

Não basta identificar um propósito sólido, embasado na essência e na singularidade de uma marca se o assunto não é relevante ou engajador para os seus públicos de interesse.

Uma marca deve expressar uma promessa que o cliente experimentará de maneira completa, física, conceitual, emocional e até politicamente.

Assumam um risco medido

Se você decidir se posicionar, não pode mudar de ideia ou o perigo é de perder credibilidade e confiança daqueles que se encantarem com sua promessa.

Por isso, contar com estudos de profissionais de branding, leitura de cenário, pesquisas e análises de consumer insights é fundamental para se medir o risco.

Sejam consistentes

O mundo vive questões extremamente complexas que não serão solucionados com um bom texto de manifesto ou mesmo com uma campanha publicitária supercriativa.

Um propósito de marca só funcionará se estiver intimamente conectado com os valores dos consumidores e alinhado com todas as atitudes e valores da própria empresa.

Esse jogo não se joga só fazendo promessas, mas mantendo as promessas vivas na experiência das pessoas.

Ação mais que palavras

A maioria das pessoas acredita que as marcas têm mais poder para resolver questões sociais do que o governo, mas querem ver as empresas ativas e visíveis em suas comunidades lutando por suas causas preferidas.

O presidente da Microsoft, Satya Nadella, escreveu: “As multinacionais precisam operar em qualquer lugar do mundo, contribuindo para as comunidades locais de maneiras positivas — gerando crescimento, competitividade e oportunidades para todos. Como podemos ajudar nossos parceiros e startups locais a crescer? Como podemos ajudar o setor público a se tornar mais eficiente? Como podemos ajudar a resolver os problemas mais prementes da sociedade?”

Tomem cuidado a “maneira criativa” de apresentarem o propósito

Propósito é coisa séria. Não pode ser “marquetiado” nem maqueado. Muito menos soar como pretensioso. Seria arrogante para uma marca sugerir, num deslize criativo, que ela é a solução para questões importantes para as pessoas ou o planeta. É mais sincero e honesto se apresentar como uma ponte para uma solução ou simplesmente uma plataforma para discussão do tema.

Estejam prontos para o calor da discussão

Cada pessoa que fala em nome de uma marca deve estar completamente alinhada com o propósito e preparada para argumentar de maneira inteligente em discussões acaloradas e apaixonadas com formadores de opinião, influenciadores ou grupos de consumidores que conhecem a fundo ou vivenciam em suas próprias peles as questões escolhidas pela marca para serem endereçadas em seus propósitos.

Tenha um plano de crise

Quando for a público declarar seu Propósito de Marca, espere o melhor, mas se planeje para o pior. Em nosso mundo em rápida mudança e complexo, é impossível se preparar para todas as eventualidades. 

Mesmo para profissionais experientes, é difícil prever todas as reações possíveis quando seu propósito se torna público. Principalmente se ele traz luz a questões controversas.
Mantenham por perto, por algum tempo, uma equipe executiva mais sênior e profissionais de relações públicas acostumados a lidar com assuntos delicados.

Mas mais que trazer uma receita infalível de como “criar” seus Propósitos de Marcas, o mais importante é usar essas dicas ou outras fáceis de encontrar na literatura, como check points para desafiar sua equipe, e se certificar que nada passou despercebido dos olhares técnicos.

Talvez a dica mais importante seja que você se comprometa a fazer com que seu propósito não seja só ouvido numa voz bonita, num vídeo de manifesto inspirador, mas que seja experimentado por todos que se aproximarem, experimentarem e se conectarem com suas marcas.